Textículos 21 - Aviso: estou morrendo.


Desde que meu pai partiu, conheci a morte.

Não como ideia — mas como presença. 
Silente, constante, inexorável.

Descobri que são poucos, pouquíssimos, os que amamos que nos acompanham até nosso fim.

Por isso informo, quero que meus amigos me conheçam em vida. — não em flores e silêncio.

Meu legado? Como disse antes
Relego à Visa, à Mastercard, ao finado Banestado.

Desde que conheci a morte, faço exames.
E os exames confirmam: estou morrendo.
Tenho essa doença incurável chamada Vida.

Meu corpo segue seu roteiro,
me conduz, sem delicadeza, ao desfecho inevitável.

Pouco posso fazer.

O mais trágico, no entanto, não é a parte fisiológica...

Não bastasse estar morrendo, fui também diagnosticado recentemente com uma insidiosa condição psíquica chamada: Consciência.

Pelo que dizem os profissionais, é esta também incurável.

Como se não bastasse a morte certa em meu caminho, tenho ainda consciência dessa morte....

Sim, não só morro,
como sei que morro...

Pra tal condição, a literatura lista sintomas como: desespero crônico, ansiedade, libido, busca por distrações como analgésicos de pensamento.
Outros sucumbem à ausência de sentido,
de chão.

No meu caso, os sintomas são mais agudos.
Essa consciência me obriga a perguntar:

Quem é esse que morrerá?
O que, dentro de mim, deixará de existir com o fim?
E quem é o eu, fora de mim, que será ausente?

Dessas perguntas, efeitos colaterais ainda mais grotescos derivam:

Passei a olhar o tempo como precioso,
os momentos como relâmpagos que valem poesia.

Contemplo, agora, a delicadeza breve
das pessoas que amo.
A fugacidade dos encontros,
A beleza do estar se acentua, com o contraste da iminente partida.

Olho para cada momento como único e importante.

Experiências simples se tornaram sublimes, tornaram-se momentos de êxtase estético e completude.
Ao encontrar na simples existência da vida o terror sacro de minha vindoura ausência.


Essa profunda gratidão e pequenês de se maravilhar com as cores da joaninha entre as folhas,

Ou observar os pássaros e o por do sol no ápice de um dia difícil,

Veio a mim apenas ao olhar para o mais profundo medo abismal que habita no meu íntimo.

Incidentalmente, a consciência de minha condição terminal, me fez descobrir que vivo.
E essa consciência se faz aterrorizantemente bela e motricial.

Bora viver.


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